Como garantimos o futuro dos nossos filhos
Nunca me esqueci daquele dia. Chegaram os resultados: eu estava grávida e meu marido, desempregado. Mas nem pensei em tirar a criança e acabar excomungada em Pernambuco. Não, usei a criatividade, vendi espaço publicitário nas ultrassonografias dos bebês (era um casal de gêmeos) e assim paguei o parto e a maternidade. Na hora do batizado não homenageei avô, nem tia, nem padrinho. E graças as seus nomes, nossos filhos Nokia e Ruffles foram muito mais lucrativos do que aquele bando de Wellinsons e Daianes, Taianes, Raianes...
Depois veio a hora da escola. Aí foi meu marido, pós-doutorado em educação e ainda desempregado, quem teve a iniciativa, ao declarar: "educação é coisa do passado e eu sou prova viva disso. Vamos batalhar pelo direito desses moleques trabalharem desde bebê".
E em vez de entrar em creche, eles entraram no mercado. Bebês-propaganda, anunciando e consumindo de tudo. No começo, bonecas, doces e brinquedos. Depois, gordura trans, bebida alcoólica, cigarros. E por fim, drogas e armas. Se essas são as coisas que mais movem dinheiro no planeta, como deixar nossos filhos queridos fora disso?
E foi através da educação das crianças que descobrimos nossa nova ética. Quais os valores pelos quais todo mundo briga? Igualdade? Que o quê! Todo mundo é desigual desde que nasce. Se você tem dúvida, vá visitar as maternidades do plano de saúde e as públicas. E tem mais: o importante não é saber o valor das coisas, é ter mais dinheiro do que seu vizinho para comprá-las. Porque no nosso mundo quem compra é que manda. Foi o que ensinamos para Ruffles e Nokia. Não precisamos de cidadania, de título de eleitor, de identidade. Nossa identidade é o tênis que a gente usa e o carro que a gente compra. E viver é gastar no cartão.
E foi assim que vivemos. Hoje, eu e meu marido estamos mortos e felizes, vendo nossos filhos vivos e bem-sucedidos enquanto curtimos nossa vida eterna aqui no céu. Ou melhor, num paraíso fiscal.
Autor: Cesar Cardoso, escritor
Fonte Revista Caros Amigos, Ano XIII 146 Maio 2009, pág. 19