
Bem,não ficar aqui contando a história do Rimbaud pois todos já conhecem muito bem... Rimbaud+simbolismo, Rimbaud+Verlaine, Rimbaud+África... e por aí vai!
O título do meu Blog é consequência da minha leitura das Cartas do Vidente de Rimbaud. Vai aí um trecho:
" Agora,eu me encrapulo o máximo possível. Porquê? Quero ser poeta e trabalho para tornar-me vidente: Você não compreenderá nada e eu quase não saberia explicá-lo. Trata-se de chegar ao desconhecido através do desregramento de todos os sentidos.
Os sofrimentos são enormes,mas é preciso ser forte, ter nascido poeta, e eu me reconheci poeta. Não é de modo algum culpa minha. É errado dizer: Eu penso; Dever-se-ia dizer: Sou pensado- Perdão pelo jogo de palavras:
Eu é um outro."
Eu é um outro. Isso me tocou profundamente... O que ele quis dizer com essa afirmação e o porque isso mexeu comigo? Acho que "Eu é um outro" é nunca estar onde se quer, onde se pensa... estar numa busca constante do desconhecido. E isso é uma consequência direta do "desregrar todos os sentidos para chegar ao desconhecido". E desregrar sentidos seria manter-se em sintonia com o presente,porém modificando, pertubando, transformando realidades.
Não sou uma expert sobre as obras do Rimbaud, mas a única coisa que posso dizer, com certeza, é que suas poesias e suas cartas tem um imenso poder sobre mim! Coloco aqui o primeiro poema dele que eu li ( não, não foi "Le Bateau Ivre", nem o magnífico "Une Saison en Enfer"): "Le Dormeur Du Val"- Adormecido no Vale. Ele escreveu essa soneto em 1870 quando tinha 16 anos, inspirando-se na guerra franco-prussiana. É impressionante como ele consegue estabelecer um chocante contraste entre a mansidão da natureza e o horror da guerra sem sequer mencionar a palavra "morte".
ADORMECIDO NO VALE
Tradução: Ferreira Gullar
É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata
Como se delirasse, e o sol da montanha
Num espumar de raios seu clarão desata.
Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
Banhando a nuca em frescas águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
Frágil, no leito verde onde chove luz.
Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente.
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.
E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do lado direito.
Mais poemas do maravilhoso Rimbaud:
Minha Boêmia (Fantasia)
E lá me ia, as mãos nos bolsos furados,
E meu casaco era também o ideal.
Eu ia sob o céu, Musa! e te era leal;
Oh! lá! lá! que esplêndidos amores sonhados!
Minha única calça estava em frangalhos
— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia
Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia,
Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.
Sentado à beira das estradas eu as ouvia,
Belas noites de setembro em que eu sentia
O orvalho em meu rosto como um vinho forte;
Quando compondo em meio a sombras fantásticas,
Como uma lira eu puxava os elásticos
De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!
Sensação
Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei,
Roçando os trigais, pisando a relva miúda:
Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei:
E o vento banhando-me a cabeça desnuda.
Nada falarei, não pensarei em nada:
Mas um amor imenso me irá envolver,
E irei longe, bem longe, a alma despreocupada,
Pela Natureza — feliz como com uma mulher.
(1870. Este poema não tinha nome quando foi enviado a Théodore de Banville)
NO CABARÉ-VERDE
às cinco horas da tarde
Nas pedras do caminho: em Charleroi arrio.
— No Cabaré-Verde: pedi umas torradas
Na manteiga e presunto, embora meio frio.
Reconfortado, estendo as pernas sob a mesa
Verde e me ponho a olhar os ingênuos motivos
De uma tapeçaria. — E, adorável surpresa,
Quando a moça de peito enorme e de olhos vivos
— Essa, não há de ser um beijo que a amedronte!
— Sorridente me trás as torradas e um monte
De presunto bem morno, em prato colorido;
Um presunto rosado e branco, a que perfuma
Um dente de alho, e um chope enorme, cuja espuma
Um raio vem dourar do sol amortecido.
Outubro de 1870
Aurora
"Eu abracei a aurora de verão.
Nada ainda se mexia na fachada dos palácios. A água estava morta.
Acampamentos de sombras não deixavam a trilha do bosque. Eu marchava, despertando hálitos vivos e cálidos, e as pedrarias espiavam, e as alas se levantavam sem um som.
A primeira missão foi, num atalho já cheio de centelhas frescas e pálidas, uma flor que me disse seu nome.
Sorri para a loira wasserfall que se descabelava através dos pinheiros; reconheci a deusa no cimo de prata.
Então, um a um, levantei os véus. Nas alamedas, agitando os braços. Pela planície, onde a denunciei ao galo. Na cidade grande ela fugia entre cúpulas e campanários, e correndo como um mendigo entre docas de mármore, eu a caçava.
No alto da trilha, perto de um bosque de louros, eu a envolvi com seu monte de véus e senti um pouco seu corpo imenso. A aurora e a criança caíram na beira do bosque.
Ao acordar, meio-dia."
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