sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A Escrava que não é Izaura- Mário de Andrade

Esse texto maravilhoso de Mário de Andrade, foi publicado na revista Estética em 1925 e alguns trechos foram apresentado na Semana da Arte Moderna em 1922. É o primeiro tratado de poética moderna escrito aqui no Brasil. Esse ensaio tem por subtítulo: "Discurso sobre algumas tendências da poesia modernista" e é iniciado com uma fábula sobre a poesia: "Gosto de falar por parábolas como Cristo". O primeiro homem depois da criação de Eva, plagia Deus tirando da língua uma mulher (poesia). Essa mulher nua ficou no cimo de um monte. Adão, envergonhou-se da nudez e colocou-lhe uma parra. Depois passou Caim e cobriu-a com um "velocino alvíssimo" .Depois as gerações continuaram a subterrá-la de vestes e adereços. Daí um dia, passou um vagabundo, (meu querido) Rimbaud e chutou esse monte, fazendo-o desmoronar, mostrando todo o esplendor da Poesia nua... E é essa mulher "escandalosamente nua" que os poetas modernos começaram a adorar. 

(E falando em Rimbaud, Mário de Andrade disse o mais importante parêntese da poesia brasileira: "Parêntese- não imitamos Rimbaud. Nós desenvolvemos Rimbaud. Estudamos a lição Rimbaud".)


A Escrava que não é Isaura

Começo por uma história. Quase parábola. Gosto de falar por parábolas como Cristo... Uma diferença essencial que desejo estabelecer desde o princípio: Cristo dizia: 'Sou a verdade'. E tinha razão. Digo sempre: 'Sou a minha verdade'. E tenho razão. A verdade de Cristo é imutável e divina. A minha é humana, estética e transitória. Por isso mesmo jamais procurei ou procurarei fazer proselitismo. É mentira dizer-se que existe em S. Paulo um igrejó literário em que pontifico. O que existe é um grupo de amigos, independentes, cada qual com suas idéias próprias e ciosos de suas tendências naturais. Livre a cada um de seguir a estrada que escolher. Muitas vezes os caminhos coincidem... Isso não quer dizer que haja discípulos pois cada um de nós é o deus de sua própria religião. Vamos á história!
...e Adão viu Iavé tirar-lhe da costela um ser que os homens se obstinam em proclamar a coisa mais perfeita da criação: Eva. Invejoso o macaco o primeiro homem resolveu criar também. E como não soubesse ainda cirurgia para uma operação tão interna quanto extraordinária tirou da língua um outro ser. Era também - primeiro plágio! - uma mulher. Humana, cósmica e bela. E para exemplo das gerações futuras, Adão colocou essa mulher nua e eterna no cume do Ararat. Depois do pecado porém indo visitar sua criatura notou-lhe a maravilhosa nudez. Envergonhou-se. Colocou-lhe uma primeira coberta: a folha de parra.
Caim, porquê lhe sobrassem rebanhos com o testamento forçado de Abel, cobriu a mulher com um velocino alvíssimo. Segunda e mais completa indumentária.
E cada nova geração e as raças novas sem tirar as vestes já existentes sobre a escrava do Ararat sobre ela depunham os novos refinamentos do trajar. Os gregos enfim deram-lhe o coturno. Os romanos o peplo. Qual lhe dava um colar, qual uma axorca. Os indianos, pérolas; os persas, rosas, os chins, ventarolas.
E os séculos depois dos séculos...
Um vagabundo genial nascido a 20 de Outubro de 1854 passou uma vez junto do monte. E admirou-se de, em vez do Ararat de terra, encontrar um Gaurisancar de sedas, setins, chapéus, jóias, botinas, máscaras, espartilhos... que sei lá! Mas o vagabundo quis ver o monte e deu um chute de 20 anos naquela eterogénea rouparia. Tudo desapareceu por encanto. E o menino descobriu a mulher nua, angustiada, ignara, falando por sons musicais, desconhecendo as novas línguas, selvagem, áspera, livre, ingênua, sincera.
A escrava de Ararat chamava-se Poesia.
O vagabundo genial era Artur Rimbaud.
 
(E essa mulher escandalosamente nua é o que os poetas modernistas se puseram a adorar... Pois não ha de causar estranheza tanta pele exposta ao vento á sociedade educadíssima, vestida e policiada da época atual?)”



4 comentários:

  1. Eu gosto de Mário de Andrade, mesmo sendo pouco o que eu conheço, esse texto eu não conhecia. E como os outros que eu admiro, esse não ficaria fora ^^

    Já estou acompanhando o blog, eu sempre acho que já estou, mas esqueço, dá um desconto vai rrs.
    Fico feliz que tenha gostado do meu poemeto rsrs.

    Beijoos

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  2. ahauahuahauah....desconto concedido!!!
    Eu também não conheço muita coisa do Mário de Andrade (sempre cabulava as aulas de Literatura,rs que vergonha)...mas estou me empenhando em conhecer a sua obra. Mas esse ensaio é divino! Mulher nua (poesia)/ Adão e demais homens (que por "vergonha", vestiram a poesia)/ Rimbaud (que "libertou" a Poesia, tirando dela todo o pudor,toda a censura)... é maravilhoso!!!

    Adorei mesmo o poema da madruga!!!Me identifico com ele!!!

    Bjão mágico!

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  3. oi dani gostaria de te conhecer temos um gosto parecido neh acho the doors a mairo banda da historia sua musicas letras fizeram e faz minha vida ate hoje se possivel me adduh? no msn....dnzricardo@hotmail.com e o mesmo pro orkut tah bjoossss

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  4. Eu acho que Mario de andrade veio ao Brasil em uma nave espacial, tal sua caracteristica vanguardista, ainda mais considerando a ceretice dos anos 20 no Brasil. Tenho a sorte de possuir a Paulicea Desvairada em primeira edição e tb. a Escrava, esta entretanto encadernada. Acredito que na Paulicea ele vomitou tudo e na escrava ele tentou explicar um pouco o que havia acontecido... realmente tem gente tentando entender a Paulicea até hoje!!! Parabéns pelo Blog... Pedro

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